Para
Calvino existem duas classes de orações: a invocação (ou súplica) e a ação de
graças. Isso porque, segundo ele, “em nossas orações, ou pedimos algo a Deus ou
reconhecemos as bênçãos divinas derramadas sobre nós.”1 Ele comenta:
Na súplica colocamos
diante de Deus os desejos de nosso coração. Pela ação de graças reconhecemos
seus benefícios em nosso favor. E nós temos que usar assiduamente uma e outra,
pois nos vemos perseguidos por tão grande pobreza e necessidade que até mesmo
os melhores de nós devem suspirar, gemer e invocar continuamente ao Senhor com
toda humildade. E por outra parte é tão grande a generosidade que o Senhor, em
sua bondade nos dispensa, tão excelsas as maravilhas de suas obras, que sempre
encontraremos motivos para louvar-lhe e tributar-lhe ações de graças.2
Calvino
simplifica a vida de oração. Aprendemos através dos manuais que existem vários
tipos de orações. Pedimos para alguém fazer uma oração de adoração e percebe-se
como é difícil. Não que seja difícil adorar a Deus, mas sim mapear e desenvolver
essas orações dentro desses tipos.
Quando
Calvino apresenta apenas duas classes de orações, ele simplifica e torna o ato
da oração espontânea. Na súplica, existe espaço para a confissão, ao derramar
do coração, ao clamor de nossa alma e para expor os desejos de nosso coração.
Na ação de graças, existe momento para a adoração, ao louvor e ao
reconhecimento dos favores de Deus dispensados a nós. Essa simplificação leva
em conta que dificilmente na oração haverá espaço ao formalismo. Na oração, o
coração, em sua sinceridade, é que é exposto. Um coração ferido fala de suas
feridas como, também, é chamado a enxergar as curas recebidas.
O chamado
é para usarmos continuamente essas duas classes de oração. Nós gememos diante
de Deus, mas esse gemido não pode ocultar o reconhecimento de seus favores. Na
verdade, gememos diante daquele que, além de ter realizado tanto por nós, é
capaz de continuar a sua boa obra em nós.
A súplica
é o momento do esvaziar da alma e da ação de graças pelo preenchimento. Na
súplica colocamos diante de Deus todos os nossos anseios e deixamos os nossos
fardos. A súplica é também chamada de invocação, pois nessa oração convocamos
Deus para agir em nossa vida e circunstâncias. É nosso: “Maranata! Vem, Senhor!” Na ação de graças, colocamos diante de nós
aquilo que Deus tem feito por nós. Nela nos enchemos de alegria pelos cuidados
de Deus. Na súplica, oramos com o salmista: “Tem misericórdia de mim, ó Deus,
tem misericórdia, pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me
abrigo, até que passem as calamidades” (Sl. 57.1). Na ação de graças, oramos
como o salmista: “São muitas, Senhor, Deus meu, as maravilhas que tens operado
e também os teus desígnios para conosco; ninguém há que se possa igualar contigo.
Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar” (Sl.
40.5). No centro dessas orações está a convicção de que: “Eu sou pobre e
necessitado, porém o Senhor cuida de mim” (Sl. 40.17).
Invocamos
a Deus. Pedimos que ele se faça presente com sua misericórdia; venha dissipar
nossas tribulações; e seja o nosso castelo forte. Enquanto isso, reconhecemos
seus favores! O coração com confiança e gratidão é saúde para a alma!
Referências
bibliográficas
2 CALVINO
apud MARIN, M. Gutiérrez. Calvino, antologia. Barcelona: Producciones Editoriales Del
Nordeste, 1971. p. 91. Calvino em seu comentário a Carta de Paulo aos
efésios comenta: “Oração e súplica contêm uma leve diferença, sendo que súplica
é a espécie e oração, o gênero” (CALVINO, João. Efésios. São José
dos Campos/SP: Fiel, 2007. p. 157).