Paulo escreve para Timóteo (1ª Timóteo 4.16)
aconselhando-o sobre o cuidado de si e da doutrina (ensino). Para refletir
sobre essa recomendação, transcrevemos um o comentário de João Calvino a esse
texto:
“Tem cuidado de
ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim,
salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes”
Tem cuidado de ti
mesmo e do teu ensino. Um bom pastor deve ser
criterioso acerca de duas coisas: ser diligente em seu ensino e conservar sua
integridade pessoal. Não basta que ele amolde sua vida de acordo com o que é
recomendável e tome cuidado para não dar mau exemplo, se não acrescentar à vida
santa uma diligência contínua no ensino. E o ensino será de pouco valor se não
houver uma correspondente retidão e santidade de vida. Por conseguinte, Paulo
tem razões de sobra para intimar Timóteo a dar atenção tanto à sua pessoa em
particular quanto à sua doutrinação para o proveito geral da Igreja. Uma vez
mais, ele recomenda-lhe constância, para que jamais se prostre exausto, porque
muitas coisas sucedem que podem desviar-nos da trajetória retilínea, se não
estivermos solidamente firmados para suportá-las.
Porque, fazendo assim. O zelo dos pastores
será profundamente solidificado quando forem informados de que tanto sua
própria salvação quanto a de seu povo dependem de sua séria e solícita devoção
ao seu ofício. Entretanto, visto que o ensino que contém sólida edificação
geralmente não produz exibição bombástica, Paulo o adverte a preocupar- se com
o que é proveitoso; como se quisesse dizer: “Os homens que buscam glória, então
que se alimentem de sua própria ambição e se congratulem com sua própria engenhosidade;
tu, porém, contenta-te em devotar-te exclusivamente à salvação de ti mesmo e de
teu povo.”
Eis um conselho que se aplica bem a todo o
corpo da Igreja, ou seja, que ninguém se enfade daquela simplicidade que
vivifica as almas para a vida e as preserva robustas. Nem se deve causar
estranheza que Paulo atribua a Timóteo a obra de salvar a Igreja, porquanto
todos os que são conquistados para Deus são salvos, e é por meio da pregação do
evangelho que somos unidos a Cristo. E assim, como a infidelidade ou
negligência de um pastor é fatal à Igreja, também é justo que sua salvação seja
atribuída à sua fidelidade e diligência. É deveras verdade que é unicamente
Deus quem salva, e que nem mesmo uma ínfima porção de sua glória é transferida
para os homens. Mas a glória de Deus não é de forma alguma ofuscada em usar Ele
o labor humano para outorgar a salvação.
Por conseguinte, nossa salvação é dom de Deus,
visto que ela emana exclusivamente dele e é efetuada unicamente por seu poder,
de modo que Ele é o seu único Autor. Mas esse fato não exclui o ministério
humano, tampouco nega que tal ministério possa ser o meio de salvação,
porquanto é desse ministério, segundo Paulo diz em outra parte, que depende o
bem-estar da Igreja [Ef 4.11]. Esse ministério é por natureza inteiramente obra
de Deus, pois é Deus quem modela os homens para que sejam bons pastores e os
guia por intermédio de seu Espírito e abençoa seu trabalho para que o mesmo não
venha ser infrutífero. Se um bom pastor é nesse sentido a salvação daqueles que
o ouvem, que os maus e indiferentes saibam que sua ruína será atribuída aos que
têm responsabilidade sobre eles. Pois assim como a salvação de seu rebanho é a
coroa do pastor, assim também todos os que perecem serão requeridos das mãos
dos pastores displicentes.
Diz-se que um pastor salva
a si mesmo quando
ele obedece sua vocação, cumprindo fielmente o ofício a ele confiado, não só
porque assim evita o terrível juízo com o qual o Senhor ameaça pela boca de
Ezequiel, “seu sangue o requererei de tuas mãos” [33.8], mas porque é
costumeiro falar dos crentes como que conquistando sua salvação permanecendo no
curso de sua salvação.
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Texto de João Calvino
Disponível em: <http://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/06/o-primeiro-trabalho-de-um-pastor-cuidar-de-si-mesmo/>.