O texto a seguir é adaptação
de trechos do livro Conexão e O lugar mais seguro da terra, de Larry Crabb. Ele trata da possibilidade de a igreja ser um espaço onde as amizades espirituais ajudam no
resgate das pessoas.
Conexão
Tenho fortes razões para suspeitar que os cristãos que
participam obedientemente das reuniões da igreja, para quem “ir à igreja”
significa desenvolver uma variedade de atividades espirituais, têm em si
recursos que, postos em ação, poderiam curar de modo miraculoso corações
partidos, superar o dano causado por passados de violência, incentivar os
deprimidos a avançar corajosamente, estimular os solitários a buscar amigos,
revitalizar com energia nova e santa crianças e adolescentes abatidos e
infundir esperança na vida de inúmeras pessoas que se sentem rejeitadas, sós e
inúteis. Talvez “ir à igreja”, mais do que qualquer outra coisa, signifique
relacionar-se com várias pessoas diferentemente. Talvez o objetivo principal da
comunidade cristã seja conectar-se a algumas pessoas.
O segredo é entender que Deus colocou nutrientes
espirituais específicos na vida de cada pessoa, algo mais poderoso do que tudo
o que existe de mau no coração humano, mas que raramente é liberado. Para
partilhar esses nutrientes uns com os outros, é preciso que ocorra um tipo
especial de intercâmbio pessoal que chamo conexão. Muito mais profunda que o
contato normalmente superficial e dissimulado que costumamos chamar “comunhão”,
a conexão permite que um ser humano verta no outro algo que tem o poder de
curar as feridas mais profundas da alma, restabelecendo-lhe a saúde.
Por que esse fenômeno ocorre tão raramente? Em primeiro
lugar, porque não cremos nele e não refletimos muito sobre o assunto. Em
segundo, porque as igrejas, em sua grande maioria, não são comunidades
espirituais.
Uma
Comunidade de Pessoas Aflitas
Paradoxalmente, uma comunidade espiritual é justamente
aquela na qual as pessoas reconhecem sua condição de aflitos. Precisamos
entender que aflição é uma condição, algo que está sempre ali, por debaixo da
superfície, cuidadosamente escondida enquanto se tenta manter uma fachada de
normalidade. Vivemos em aflição. Só que nem sempre a percebemos em nós mesmos
ou nos outros. Além disso, preferimos estar emocionalmente intactos a aflitos.
Isso nos leva a camuflar nossas aflições e a escondê-las, até de nós mesmos.
Eis a razão de a comunidade espiritual ser tão rara.
Uma tarefa fundamental da comunidade é criar um lugar
suficientemente seguro para que os muros sejam derrubados, para que cada um de
nós reconheça e revele a sua própria aflição. Somente então a força da conexão
pode realizar seu trabalho. Somente então a comunidade pode ser usada por Deus
para curar nossa alma.
A comunidade espiritual é formada por pessoas que têm a
integridade de abrir o coração. Tudo é invertido em relação à ordem do mundo. É
nossa fraqueza, não nossa competência, que leva os outros adiante; nossos
pesares, não nossas bênçãos, que derrubam as barreiras do medo e da vergonha
que nos mantêm separados; as faltas que admitimos, não os sucessos que
alardeamos, que nos unem na esperança.
Todos nós temos feridas. Se cada um de nós for
impiedosamente sincero sobre o que acontece em nosso coração, isso nos levará à
aflição. Numa comunidade espiritual, as pessoas não conversam meramente sobre
as feridas e aflições. Elas se arriscam e expõem os detalhes, não para todos,
mas ao menos para uma outra pessoa. Não é apenas uma questão de lamber nossas
feridas, mas de buscar uma solução.
Fazer isso é apavorante. Parece um ato de imensa
fraqueza, tão desnecessário, tão mórbido e severo. Pior, para muitos admitir a
aflição significa admitir também um relacionamento sofrível com Deus. Muitas
vezes, ouvimos dizer que a aflição é o caminho para um relacionamento mais
profundo com Deus, mas raramente vemos exemplos disso. Às vezes, penso que
queremos que os outros acreditem que conhecemos a Deus demonstrando o quanto
somos firmes.
O impulso de não arriscar é forte. O ímpeto que temos de
nos proteger, de manter nossas mágoas fora de vista para que ninguém possa
piorá-las é o ímpeto mais forte em nosso coração. E assim permanecerá até que
vivenciemos certo tipo de relacionamento, até que encontremos o Cristo
crucificado e ressurreto, até que conheçamos uma pessoa como Cristo, alguém
aflito, mas belo, vulnerável e com o coração aberto.
O afago de uma alma viva que se derrama em puro amor é o
que define a verdadeira conexão, que só acontece quando temos a confiança de
que o repugnante e o conflituoso não vão pôr fim a um relacionamento, confiança
que nasce de outra confiança ainda mais forte: o que há de mais profundo dentro
de nós não é aflição, mas beleza, a verdadeira beleza de Cristo.
Enfrentando
os Conflitos
Se ninguém se mostrar aflito o bastante para desfrutar do
amor de Deus e partilhá-lo também, as nossas comunidades jamais se tornarão
espirituais. Os conflitos inevitáveis que acabam eclodindo em todo
relacionamento nos levarão a tomar direções não-espirituais, nos conduzirão a
relacionamentos que dispensam o Espírito.
A comunidade espiritual depende de recursos espirituais e
por uma boa razão. Todo relacionamento humano, especialmente aqueles em que os
participantes desejam vivenciar uma profunda proximidade, depara com
importantes conflitos. E simplesmente não há como superar o conflito e chegar à
verdadeira conexão sem o poder divino. Não há como fazer isso sem dispor na
alma de uma energia fornecida por Deus, uma energia mais forte e melhor do que
a energia que já está ali alimentando o conflito.
As comunidades espirituais compreendem isso. Compreendem
que a presença do conflito não define a comunidade espiritual, assim como a
ausência de conflito não é prova de comunidade espiritual. A diferença entre
comunidade espiritual e não-espiritual não está na existência ou não de
conflitos, mas na nossa atitude diante deles e no nosso modo de lidar com eles.
Quando os conflitos são vistos como uma oportunidade de aproveitar mais
plenamente os recursos espirituais, então temos as potencialidades de uma
comunidade espiritual.
O conflito está latente em todo relacionamento a cada
momento. Ele simplesmente espera um estímulo para entrar em cena. As paixões
egoístas, aquelas que quando liberadas geram conflitos, estão em todos nós,
fervilhando debaixo da nossa casca de sociabilidade. Entre elas estão as
tendências de não arriscar, de exigir conforto ou atenção, de se concentrar nas
feridas abertas mais do que na oportunidade de se doar, de exigir uma plenitude
imediata que Deus nem sempre concede.
Na comunidade espiritual, essas paixões se enfrentam pela
aceitação de um amigo espiritual. Esse amigo as enxergam, detesta-as e pode até
repreendê-las, quando se sente magoado por elas, e pode revelar isso em
palavras. Contudo, ele vê, além da feiura de todos aqueles motivos egoístas que
geram conflitos, a absoluta bondade oculta ali debaixo, uma bondade que foi
posta ali por Deus.
Numa comunidade não-espiritual, escondemos os conflitos
atrás de sociabilidade. Recanalizamo-los e os transformamos em cooperação para
bons projetos, nos quais ímpetos censuráveis se tornam zelo elogiável.
Atenuamos a dor que sentimos por causa do conflito, lançando mão do consolo
para torná-la menos aguda. Se o conflito for especialmente grave, resolvemos
nossas questões pelo aconselhamento. Ou então deixamos que pressões
conformadoras tentem conter esse nosso lado feio com renovados esforços para
melhorar.
Porém, precisamos na verdade de amigos espirituais,
pessoas aflitas que nos darão a segurança de ficar aflitos, pessoas
interessadas que querem que vivamos bem e creem que podemos viver bem, pessoas
caridosas que põem dentro de nós a vida que receberam de Deus, pessoas de visão
que enxergam o Espírito, modelando-nos à semelhança de Cristo. Sem elas
concordamos em aceitar bem menos que isso.
Chega de imitarmos a verdadeira amizade espiritual e de
fazermos substitutos da real orientação espiritual. Precisamos mergulhar no
mundo incontrolável e confuso dos relacionamentos, admitir nosso fracasso,
identificar nossas tensões, explorar nossas falhas. Precisamos nos transformar
na resposta à oração de nosso Senhor, pois ele orou para que nos tornássemos
um, como ele e o Pai são um.
Já é tempo de edificar a igreja, uma comunidade de
pessoas que se refugiam em Deus e encorajam umas às outras a jamais fugirem em
busca de outro socorro, uma comunidade de amigos que sabem que a única maneira
de viver neste mundo é se dedicando à vida espiritual – a nossa vida com Deus e
com os outros. Não será fácil, mas valerá a pena. Está em jogo o nosso impacto
sobre o mundo.
Comunidade
Espiritual
A presença de
relacionamentos conflituosos é enfrentada com amizade espiritual (tratamento da
alma). A presença de relacionamentos conflituosos é enfrentada com amizade
espiritual (tratamento da alma) e, se necessário, orientação espiritual (cura
da alma) caracterizada pela dependência do Espírito (ouvir Deus por meio da
Palavra e do Espírito).
Comunidade Não-espiritual
A presença de
relacionamentos conflituosos é controlada por relacionamentos cooperativos/relacionamentos consoladores e, se necessário, relacionamentos aconselhadores
ou relacionamentos conformadores caracterizada pela confiança na carne
(resolver as coisas com quaisquer meios disponíveis).
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Disponível em: <https://www.revistaimpacto.com.br/biblioteca/comunidade-espiritual-quando-e-e-quando-nao-e/>.
Acesso em: 13 de jun. 2016.