As expectativas sobre o pastor são muitas. Todavia, existe algo
essencial nessas expectativas que pode fazer com que o pastor redirecione seu
coração para vivenciar sua vocação conforme a vontade de Deus. No texto abaixo,
o escritor e teólogo Eugene Peterson nos ajuda (como pastor) a ouvir as sinceras palavras que
soam dos anseios do povo de Deus em direção ao nosso coração e ajuda a igreja a fazer soar as palavras que prenda o pastor ao mastro da Palavra e dos Sacramentos. Boa leitura e reflexão!
Ministrando como pessoas separadas
“A definição aprendida pelos pastores, que nos foi dada em nossa
ordenação, é que a tarefa pastoral é um ministério da Palavra e do sacramento
(ordenanças).
Palavra. Nas ruínas, todas as palavras soam como “simples palavras”.
Sacramento (ordenanças). Nos destroços, que diferença faz molhar um pedaço de pão, tomar um
gole de vinho?
Todavia, século após século, os cristãos continuam a separar certas
pessoas em suas comunidades, dizendo: ‘Você é nosso pastor, ajude-nos a nos
assemelhar a Cristo’.
É verdade que as suas ações irão muitas vezes manifestar expectativas
diferentes, mas nas regiões mais profundas da alma, o desejo silencioso delas é
por algo mais do que alguém desempenhando um trabalho religioso. Se as palavras
não-ditas fossem pronunciadas, soariam assim:
‘Queremos que você seja responsável por dizer e representar entre nós
aquilo que cremos sobre Deus, o Reino e o Evangelho. Cremos que o Espírito
Santo está entre nós e em nós. Cremos que o Espírito de Deus continua a pairar
sobre o caos do mal deste mundo e do nosso pecado, moldando uma nova Criação e
novas criaturas. Cremos que Deus não é um espectador, às vezes divertido e às
vezes alarmado com os destroços da história mundial, mas, um participante.
Cremos que o invisível é mais importante que o visível em qualquer
momento e em qualquer evento que decidamos examinar. Cremos que tudo,
especialmente tudo que parece destroço é material que Deus está usando para
criar uma vida de louvor.
Cremos tudo isto, mas não vemos. Vemos,
como Ezequiel, esqueletos desmembrados, brancos sob o sol impiedoso da
Babilônia. Vemos uma porção de ossos que antes haviam sido crianças rindo e
dançando, adultos que expunham suas dúvidas e cantavam louvores na igreja – e
pecavam. Não vemos os dançarinos, os enamorados ou os cantores – só vislumbres
fugidios deles. O que vemos são ossos. Ossos secos. Vemos pecado e julgamento
sobre o pecado. É isso o que parece. Parecia assim a Ezequiel;
parece assim para quem quer que tenha olhos para ver e cérebro para pensar; e
parece assim para nós.
Mas cremos em algo mais. Cremos que esses ossos vão reunir-se,
transformando-se em seres humanos com nervos e músculos, que falam, cantam,
riem, trabalham, creem e bendizem o seu Deus. Cremos que aconteceu da maneira
como Ezequiel pregou e cremos que ainda acontece. Cremos que aconteceu em
Israel e que ocorre na Igreja. Cremos que somos parte do acontecimento enquanto
cantamos louvores, ouvimos a Palavra de Deus, recebemos a nova vida de Cristo
nos sacramentos. Cremos que a coisa mais significativa que acontece ou pode
acontecer é que não estamos mais desmembrados, mas unidos ao corpo ressurreto
de Cristo.
Precisamos de ajuda para manter nossa fé viva, precisa e intacta. Não
confiamos em nós mesmos. Nossas emoções nos atraem para a infidelidade. Sabemos
que nos aventuramos num ato perigoso e difícil de fé e que existem influências
fortes, desejosas de dissolver ou destruir essa fé. Queremos que nos ajude. Seja
nosso pastor, um ministro da Palavra e dos sacramentos em todas as diferentes
partes e estágios de nossas vidas – em nosso trabalho e recreação, com nossos
filhos e nossos pais, no nascimento e na morte, em nossas celebrações e
tristezas, naqueles dias em que a manhã se inicia com um sol radiante, e
naqueles dias em que o tempo está sombrio. Esta não é a única tarefa na vida de
fé, mas é a sua tarefa. Encontraremos outra pessoa para fazer as outras tarefas
importantes e essenciais. Esta é a sua tarefa: Palavra e sacramento
(ordenanças).
Mais uma coisa: Vamos ordená-lo para este ministério e queremos sua
palavra de que vai manter-se nele. Este não é um trabalho temporário, mas um
estilo de vida que precisamos que seja vivido em nossa comunidade. Sabemos que
você faz parte da mesma aventura difícil de fé, no mesmo mundo perigoso em que
vivemos. Sabemos que as suas emoções são tão instáveis quanto as nossa e sua
mente é tão ardilosa quanto a nossa. É por isso que vamos ordená-lo e exigimos
uma promessa sua: Sabemos também que haverá dias e meses, talvez anos, quando
não teremos vontade de crer em nada e não queremos ouvir nada de você. Sabemos
que haverá dias e meses, talvez anos, quando você não terá vontade de dizer
nada. Não faz mal. Faça isso. Você está ordenado para este ministério,
comprometido com ele.
Haverá épocas em que iremos a você em comitê ou delegação e exigiremos
que nos diga algo além do que estamos lhe dizendo agora. Prometa neste momento
que não cederá ao que estamos exigindo de você. Você não é ministro de nossos
desejos inconstantes, ou da compreensão condicionada ao tempo das nossas
necessidades, ou de nossas esperanças secularizadas de algo melhor. Com esses
votos de ordenação estamos prendendo você com toda força ao mastro da Palavra e
do sacramento, de modo que não poderá atender à voz da sereia.
Há muitas outras coisas a serem feitas neste mundo em escombros e vamos
estar fazendo pelo menos algumas delas, mas se não soubermos as realidades
básicas com as quais estamos tratando – Deus, reino, evangelho vamos terminar
vivendo vidas fúteis, fantasiosas. Sua tarefa é continuar contando a história
básica, representando a presença do Espírito, insistindo na prioridade de Deus,
falando as palavras bíblicas de comando, promessa e convite’.
Isso, ou algo bem parecido com isso, é o que ouço a igreja dizer aos
indivíduos que ordena como pastores, mesmo quando as pessoas não conseguem
articular as palavras”.
Texto de Eugene Peterson, no
livro O Pastor Contemplativo.
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Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/pastores/igreja_espera_pastor_eugene.htm>.
Acesso em: 19 de set. 2016.