Imagine que seu vizinho está sempre tendo problemas
com o carro dele. Você pode concluir, talvez corretamente, que ele fez um mau
negócio. Mas se você descobrisse que, de vez em quando, seu vizinho mistura
água na gasolina, com certeza não culparia o carro ou o fabricante pelos
problemas mecânicos. Diria que o carro não foi feito para funcionar sob as
condições impostas pelo proprietário. E, sem dúvida, aconselharia seu vizinho a
usar apenas o combustível apropriado. É possível que, depois de alguns ajustes,
o carro voltasse a funcionar bem.
Devemos abordar as decepções atuais sobre a caminhada
com Cristo de maneira semelhante. Ela também não foi feita para funcionar com
qualquer tipo de “combustível”. Se estamos completamente parados ou andando
apenas aos solavancos, e porque não estamos nos dedicando a essa caminhada o
suficiente para permitir que eia assuma o controle de toda nossa vida. Talvez
ninguém tenha nos explicado o que devemos fazer. Talvez não saibamos bem qual é
“nossa parte” na vida eterna. Ou talvez tenhamos aprendido a “fé e prática” de
algum grupo, e não os princípios de Jesus. Ou, ainda, talvez tenhamos ouvido
algo que está de acordo com os ensinamentos de Jesus, mas tenhamos interpretado
incorretamente (um dilema que costuma gerar excelentes fariseus ou “legalistas”—
um modo de vida muitíssimo difícil). Ou talvez acreditemos que o preço a ser
pago para andarmos no "Caminho" é alto demais e estejamos tentando
economizar (completando o tanque de combustível com a “água” do moralismo ou da
religião de vez em quando).
Sabemos que o “carro” do cristianismo pode funcionar,
e muito bem, em circunstâncias de todo tipo. Vemos isso — ou, pelo menos, quem
assim o deseja pode ver — quando deixamos de lado as caricaturas e
apresentações parciais e olhamos para o próprio Jesus e para suas várias
manifestações em acontecimentos e personalidades ao longo da história e em
nosso mundo atual. Ele é, simplesmente, o ponto mais brilhante do cenário
humano. Não há concorrência. Até mesmo os anticristãos julgam e condenam os
cristãos de acordo com a pessoa e as palavras de Jesus. ele não está 3
escondido, mas deve sempre ser buscado para que possamos perceber sua presença
manifesta em nosso mundo. Isso faz parte de seu plano e visa a nosso próprio
bem. Se o buscarmos, ele com certeza nos encontrará e, então, nós também o
encontraremos de maneira mais profunda. Essa é a existência bem-aventurada do
discípulo de Jesus que não cessa de crescer “na graça e no conhecimento de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3:1 8).
Mas é justamente esse o problema. Quem, dentre os
cristãos de hoje, é um discípulo de Jesus, em qualquer sentido substantivo do
termo "discípulo"? Um discípulo é um aluno, um aprendiz — um
praticante, mesmo que iniciante. O Novo Testamento — que deve ser nosso
princípio norteador no Caminho com Cristo, deixa isso claro. Nesse contexto, os
discípulos de Jesus são pessoas que não apenas adotam e professam certas ideias
como também aplicam sua compreensão crescente da vida no reino dos céus a todos
os aspectos de sua vida na terra.
Contrastando com isso, a suposição dominante entre os
cristãos professores de hoje é de que podemos ser “cristãos” para sempre sem
jamais nos tornarmos discípulos — nem mesmo no céu, pois, afinal, que
necessidade teremos de ser discípulos no porvir? Onde quer que estejamos,
podemos ver que esse e o ensinamento corrente. E essa é (com suas várias consequências)
a Grande Omissão da “Grande Comissão”, em que a Grande Disparidade se encontra
firmemente arraigada. Enquanto a Grande Omissão continuar a ser permitida ou
nutrida, a Grande Disparidade florescerá — tanto na vida de indivíduos quanto
em grupos e movimentos cristãos. Logo, se cortarmos a raiz da Grande Omissão, a
Grande Disparidade murchara, como foi o caso tantas vezes no passado. Não é
preciso lutar contra ela. Basta parar de alimentá-la.
Jesus nos disse claramente o que devemos fazer. Temos
um manual, como o do proprietário de um carro. Ele nos disse que, como
discípulos, devemos fazer discípulos — e não convertidos ao cristianismo ou a
um tipo específico de "fé e prática". Ele não ordenou que
providenciássemos para que as pessoas pudessem “entrar no céu” ou “ter parte
nos benefícios” depois da morte, nem que eliminássemos as diversas formas
brutais de injustiça, tampouco que criássemos e mantivéssemos igrejas “bem-sucedidas”.
Todas essas coisas são boas, e ele falou sobre cada uma delas. Com certeza se
concretizarão se — e apenas se— formos (seus aprendizes constantes) e fizermos
(outros aprendizes constantes) aquilo que ele ordenou que fôssemos e
fizéssemos. se nos ativermos a isso, não importará muito o que mais faremos ou
deixaremos de fazer.
Uma vez que nós, seus discípulos, tivermos ajudado
outros a se tornarem discípulos (de Jesus, e não nossos), poderemos reuni-los
em situações da vida diária, sob a presença sobrenatural da Trindade, formando
um novo tipo de unidade social nunca antes visto na terra. Esses discípulos são
os seus “chamados”, sua ecclesia. Sua “caminhada” já se dá “nos céus” (Fp
3:20), pois os céus estão operando onde quer que nos encontremos (Ef 2:6). São
essas pessoas que podem ser ensinadas a "obedecer a tudo o que eu lhes
ordenei" (Mt 28:20). Ao se tornarem alunos ou aprendizes de Jesus, elas
concordaram em ser ensinadas, e temos disponíveis os recursos para que isso
possa acontecer de forma metódica. O resultado é sempre a vida que "excede
todas as expectativas”.
Texto de Dallas Willard. Extraído do livro "A grande omissão" publicado pela editora Mundo Cristão.