┘•┌ PROFESSOR CALEB, ADEUS! SIM, A DEUS!

No último dia 11 de abril, faleceu na cidade de Santos o professor Caleb Soares da Silva, nascido em 3 de janeiro de 1939, na cidade de Garanhuns (PE). Pedagogo, escritor, mestre em Letras (PUC/RS) e membro da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração em Santos/SP, o professor Caleb viveu sob quatro paixões: familia, educação, história da igreja e evangelização.

Nas eleições de 2014, candidatou-se a uma das vagas da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) para deputado estadual, tendo como principal proposta a encaminhar ao plenário, o que ele denominou de “Educação tridimensional”: família, escola e sociedade. Longe de ser apenas slogan de campanha, o professor Caleb empreendia esforços em prol da divulgação desse modelo educacional pelo Instituto de Pedagogia Cristã (IPC), do qual era fundador e diretor, e pelo jornal Farol Cristão, do qual era editor.

No início de novembro de 2009, o professor Caleb me visitou no intuito de solicitar minha ajuda na elaboração da capa do seu novo livro, sob título de “150 anos de paixão missionária: o presbiterianismo no Brasil.” De pronto, dispus-me, e o comuniquei que tinha uma ideia, mas precisava de determinada foto. Em e-mail, datado de 13/11/2009, ele notifica o envio solicitado: “Caro reverendo Lucas, muito grato por sua cooperação e participação em minha luta. Estou anexando duas fotos do primeiro templo presbiteriano no Brasil em duas perspectivas, [...] caso o irmão ainda pense em outra sugestão de capa...”

 

Templo presbiteriano (1874), para uso no projeto da capa

Pronto o projeto da capa, o professor Caleb enviou à editora como sua opção e não apenas sugestão. Em data de 16/01/2010, ele me envia e-mail, que somente o imediato atendimento seria a resposta: “Caro reverendo Lucas, saudações. O reverendo Guilhermino confirmou o lançamento para os dias 20 e 21 de fevereiro próximo, na Catedral do Rio de Janeiro, onde ele pastoreia. Preciso esparramar propagandas e convites para lá e para São Paulo... Na próxima semana, espero a capa. Enquanto não vem, se o irmão puder compor uma arte com aquela bonita que você fez, [...] vou confirmar os locais e datas e a seguir os envio. Grato, Caleb.”

Quando a editora disponibilizou a capa para divulgação do livro, já estava em circulação material de propaganda, conforme solicitado para impressão. Como a capa original seguia o projeto encaminhado, não houve divergência.

Capa original do livro 150 anos de paixão missionária

Desta forma, tornava-me testemunha ocular da Magnum Opus do professor Caleb no exercício de historiador. Com o livro “Januário Antônio dos pés formosos”, viu seu trabalho reconhecido como livro do ano pela ABEC em 1996. No entanto, mesmo que seu nome esteja fortemente vinculado a esse livro, considero o livro “150 anos de paixão missionária” revelador do quão extraordinário historiador foi o professor Calebe, mas oculto na meiguice de sua amizade, companheirismo e boa conversa.

Preciso, metódico, didático, amante da pesquisa in loco, atento investigador das fontes históricas, dado à pesquisa oral (entrevista), de clareza em culta linguagem, perseguidor da verdade histórica, narrador criativo, interprete do vivido, tradutor da voz do passado, arqueólogo dos vestígios e arquiteto do museu à visitação da paixão missionária presbiteriana na vasta seara, que é a nação brasileira. Tal condicionamento metodológico histórico, somente havia encontrado com os grandes historiadores. Então, que seja, nosso professor figura entre os grandes vultos da história humana!

Nenhum outro livro possui as condições de status de livro representativo dos 150 anos do presbiterianismo no Brasil (1859-2009), quanto o livro “150 anos de paixão missionária”, que apesar de editado pela Editora Cultura Cristã da IPB, não obteve seu selo editorial. Editou e catalogou, mas não selou, pois não galgara a oficialização como lançamento às comemorações do sesquicentenário e da própria história da IPB. Um feito da força incrível da amizade do professor Caleb em todos âmbitos da igreja esse suporte da editora, mas não do reconhecimento oficial dele, como necessário historiador por catalogação de memórias e sendo arquivista da história presbiteriana do Brasil, que conforme declarou o rev. Odair de Olivetti, o livro é “o presente que fez ao povo produzindo e publicando a referida obra. Oportuna, bem trabalhada, rica de informações, certamente é um vigoroso e providencial meio pelo qual se recuperam realidades históricas e espirituais esquecidas ou ignoradas em geral hoje em dia.”

No livro, o professor Caleb foge do esquema historiográfico, que se repete em artigos e livros, onde são apresentadas as mesmas historias das mesmas escolas, hospitais e missionários, apenas com leve mudanças de vocabulário (sinônimo), mas aplaudidos como novidade histórica. Agora se tem outro enredo, outros personagens e o pulsar vibrante de uma histórica igreja viva e de gente cativante, ou como classificou o rev. Júlio Andrade Ferreira, renomado historiador presbiteriano, “é igualmente uma galeria de heróis.” Mais relato de gente e menos de prédios, afinal o professor Caleb era historiador e não arquiteto ou engenheiro civil. Em reconhecimento a essa notória postura dele, o rev. Alderi Souza de Matos, historiador oficial da IPB, observa: “Este novo livro do prof. Caleb Soares, fruto de vasta pesquisa documental, bem como de visitas a muitas regiões do Brasil, é uma contribuição valiosa e inédita para a historiografia do presbiterianismo nacional. Trata-se de mais um maro significativo nas comemorações do sesquicentenário da IPB.”

Ao noticiar o falecimento do professor Caleb, certa pessoa observou: “Esse era um homem sonhador e íntegro, coisa rara hoje!” Compreenderia o reconhecimento da pessoa ao chamá-lo de sonhador, mesmo se tivesse a conotação de ilusão, mas longe disso o elogio referido. No entanto, talvez fosse ilusão dele acreditar que os outros cristãos estavam interessados como ele em evangelizar o mundo e vivenciar a beleza da fé cristã em boas obras, não para agradar a Deus, mas porque é do agrado dele. Ou talvez fosse delírio dele acreditar que os demais cristãos se envolveriam na luta para transformar a sociedade pela luz do Evangelho e da educação, a ponto de anualmente planejar conferências, convidar dezenas de líderes e esperar pronto engajamento deles nessas atitudes próprias do Reino de Deus, assim como empreendia.

Extraordinário historiador, porque era excelente cristão. Por anos, manteve eventos em prol da manutenção de trabalho missionário na África, na esperança ver esse continente sob a maravilhosa implantação de igrejas cristãs. Para ele, missão e evangelização eram termos sinônimos. Em toda conversa expressava o desejo de treinar pessoas para a obra de evangelização e sobre a necessidade da igreja de alargar suas fronteiras através do serviço missionário.

Após a morte de sua esposa, percebia-se nitidamente que a solidão feria profundamente seu coração, mesmo que produzida pela boa saudade dela. Em e-mail, datado de 8/3/2022, com pedido de intercessão a Deus revela como se alongara seu luto emocional: “Peço, porém, que orem a ele [Deus] para que me fortaleça na solidão e na tristeza imensa pela inesperada partida há três anos da Stella, de saudosa memória, morta em meus braços após convívio de 56 anos. Deus nos ama e nos consola, até porque Jesus, despedindo-se dos seus discípulos disse: 'No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, pois eu venci o mundo e vocês vão vencer.'” 

Sua maior paixão vivida em tanta presença, agora em eterna ausência. Parte da família, uma de suas paixões, agora parecia pela saudade delimitar o gosto por esse mundo, sem tornar insossa sua paixão pela história, educação e evangelização. Mas titânico era o esforço para manter sua singularidade, disposição, encantamento e boa conversa ao som do sorriso. Via-se em seus passos, dado à lentidão e ao vacilo, que o peso emocional se tornara em carga mortal.

Alonguei-me em descreve a Magnum Opus do professor-historiador Caleb em busca de também apresentá-lo. No entanto, seus cerca de uma dezena de livros mostra apenas sua destreza em historiar os acontecimentos. Ele era mestre em letras, mas doutor em humanidade e humanização. Nessa formação, deixava de lado a tinta e entregava o coração para reescrever a história de muitos: que ajudou, motivou, conversou, alegrou e intercedeu.

Professor de letras e professor de vidas! Semper fidelis. Requiescat in pace. Foi-se o sentinela de nossa história! 

Professor Caleb Soares, adeus! Sim, a Deus!

Em nome e pesar desse Concílio,

Rev. Lucas Guimarães

SE/PRST